Do Mundo à Roça: Tomando Decisões em 2020

Laís de Oliveira
9 min readJun 17, 2020

Um pedaço de vida em meio a uma pandemia. Com frequência, o rumo que tomamos é devido à uma série de eventos inesperados. Mas em momentos críticos, a vida nos pede pra decidir pelo que mais importa.

Versão em Português do Artigo “From Cosmo to Country Girl: Making Life Decisions in 2020

o lugar que chamo de casa nesses dias

De volta a 1º de janeiro de 2020: se alguém me dissesse que em junho de 2020 eu estaria morando numa roça no interior de Minas, eu reagiria tipo: “Então… Tá”. E aqui estou.

Depois de vários amigos confusos perguntando “onde você está, o que está fazendo, com quem está?”, Decidi escrever isso.

Nota Contextual 1: Nasci e cresci no interior de Minas até os 18 anos. Em janeiro de 2010, deixei o Brasil para 3 meses de trabalho voluntário nas Ilhas Maurício (que não, não incluía praias e resorts de luxo, mas viagens diárias de ônibus que mais pareciam sauna), após o qual eu retornaria para me formar em Direito. 10 anos depois, não tinha voltado. Morei em quatro continentes (a trabalho), abandonei três faculdades, iniciei e vendi um negócio, quase fiquei na Ásia a vida toda e agora, como diriam meus amigos da Malásia, eu “balik kampung” (significa “retornar para a vila”). Estou de volta ao interior de Minas.

Para encurtar a longa história:

Onde estou?

Morando numa fazenda na Serra do Cipó.

Fazendo o que?

Vivendo. E escrevendo um livro sobre Comunidades (para Outubro de 2020). Além disso, deixei minha posição como Diretora de Desenvolvimento de Comunidades da Startup Genome (empresa com a qual sigo colaborando) para estar disponível, começar ou participar de iniciativas que ajudem a desenvolvimento econômico do Brasil (e a América Latina) em meio à crise.

Criamos um “Roça-Office” aqui, reunindo o melhor dos mundos (vida tranquila, mas conectada a todos). Também estou fazendo jóias, kefir, pão de queijo (curso técnico online em breve). E praticando lyra (aro aéreo). Às vezes.

Com quem?

Por sorte, estou morando exatamente com a pessoa com quem gostaria de estar agora, em uma relação. Isso se chama “ter namorado”, né… Meio novidade para mim, depois de 6 anos de nomadismo, com especialização em Relacionamento à Distância..

Tem também o sócio do meu namorado, que além de ser um amigo compartilha planos de aventuras relacionadas à vida e aos negócios, incluindo este “roça-office” (é também quem idealizou o curso de pão de queijo, etc). E tem um cachorro, além de um bando de amigos locais: pássaros, micos, esquilos, aranhas, cobras, galinhas, lagartos, enfim… A galera toda aqui.

coleção aleatória de momentos aqui

E aqui está a versão mais longa desta história.

Só Mais Um Golpe de Serendipidade

se·ren·di·pi·da·de
(inglês serendipity)
nome feminino
1. A faculdade ou o acto de descobrir coisas agradáveis por acaso.
Fonte: https://dicionario.priberam.org/serendipidade

Voltar ao Brasil não era o plano, mas nada tinha sido um plano.

Enquanto sou grata por todos os eventos inesperados que definiram minha vida, em 2018 decidi seguir um caminho mais intencional, tomando decisões baseadas em valores, ao invés de “ir indo” ou FOMO (traduzido como “Medo de Perder”).

Estar perto da família era um objetivo. Mas, também, estar onde eu quisesse ficar, com quem eu quisesse estar. A Malásia tinha virado casa (e ainda é), mas eu tinha medo de me encontrar aos 40 anos, bem-sucedida, mas tendo vivido a um vôo de 30 horas de distância dos meus pais, irmão e família. Eu vim do interior e meus valores estão enraizados nele. Isso me fez buscar ou construir comunidades aonde quer que eu fosse, para ter aquela sensação cidade pequena em qualquer lugar.

Nota Contextual 2: em 2017, depois de deixar a empresa que comprou a minha, fiz um sabático trabalhando e viajando pelo mundo, que terminou em uma peregrinação de 300 km com minha mãe até Santiago de Compostela. No caminho, a vontade de estar mais perto da minha família ficou evidente. Por este e outros motivos, eu saí da Malásia depois de mais de 4 anos lá — sem destino prévio definido.

Depois da Malásia, viajei um pouco mais e voltei ao Brasil para palestrar em dois eventos. Foi a primeira vez que fiquei por mais do que algumas semanas, desde 2010. Isso permitiu que alguns encontros e coincidências importantes acontecessem. Mesmo assim, seguindo o fluxo da vida, acabei sendo convidada para trabalhar na Startup Genome e me mudei para São Francisco — mais perto do Brasil do que a Ásia.

Viver no Vale do Silício é um privilégio. Levo muitos aprendizados, lembranças e amizades duradouras. Eu teria ficado mais tempo, só que no fundo eu sabia que não seria o lugar onde eu plantaria sementes. Depois vieram Lisboa e Berlim: oportunidade de morar em um desses dois lugares autênticos e culturalmente incríveis … Mas, mais uma vez, não tinha certeza de que eu plantaria sementes lá. E não queria mais arriscar a vida de “intercambista”, por enquanto. Eu tinha sido nômade por muito tempo.

No final do ano passado, voltei para participar de uma conferência de empreendedorismo e tecnologia no Brasil (CASE 2019). A idéia era ficar por 2 semanas, ver a família e partir de volta ao mundo (tinha até decidido aceitar a proposta de Berlim). Pois é. Fui querendo ficar, passaram três meses, a quarentena veio, bateu a crise (de mundo, de vida) e… Tô aqui na Serra do Cipó com o dito-cujo que começou esse trem de roça-office.

Toda essa história serendipitiva me trouxe até aqui.

Só que, agora, eu decidi ficar.

noite, dia

Se Você Pudesse Escolher Um Lugar No Mundo…

Eu gosto de viajar e aprendi a pertencer a qualquer lugar. Mas, por enquanto, quero construir uma casa — ao mesmo tempo, me mantendo conectada ao mundo. Eu quero plantar sementes. Literal e metaforicamente. Cultivar o solo e ter tempo para ver as coisas crescerem no seu próprio ritmo. O que eu amo sobre o cultivo de coisas orgânicas (que inclui fazer pães) é que isso ensina muito sobre a construção de comunidades. Você não pode controlar o resultado, mas nutrir o ambiente para que as coisas cresçam.

Estou bem ciente de como sou privilegiada por escolher onde e com quem estar. Isso também é consequência das decisões que tomei no passado. Tudo de bom e ruim me trouxe aqui.

A crise do COVID-19 não tirou meu chão, eu já estava sem há muito tempo. Eu me acostumei com isso. Ficar aqui exige mais coragem do que deixar tudo para trás.

Durante as primeiras 6 semanas de quarentena, sozinha num quarto em São Paulo, bateu uma onda pesada de fim de mundo. Ficou claro que eu precisava viver a vida que eu queria, já. Ficou claro o que mais importava. Com meus valores mais profundos à flor da pele, voltei ao básico: com quem eu quero estar? Onde? Fazendo o que? Tenho por ter a chance de escolher, mas também me orgulho por tê-la usado.

Escolher, em si, é um passo que às vezes evitamos, inconscientemente ou não. É assustador sentir que somos responsáveis ​​por nossas decisões: ao não escolher, reduzimos nossa própria responsabilidade pelo resultado, reduzimos nossas chances de errar. Mas a verdade é: não podemos controlar o resultado, de todo jeito. Então, é melhor fazer escolhas que reduzam o risco de nos sentirmos um estranho em nossa própria vida, daqui a três anos (tipo, “como eu vim parar aqui?”). Desde que você não comprometa ou prejudique qualquer coisa essencial para você ou para outra pessoa, eu sugiro se atrever a fazer o que te dá mais medo.

“Siga seu coração” pode parecer um conselho de princesa da Disney, mas requer coragem. De fato, coragem significa literalmente, do latim, “um ato do coração”.

Assim Como a Flor de Lótus Cresce Da Lama

Confiar no coração é estranho. É preciso muita coragem, um punhado de autoconsciência e um copo de vinho pode ajudar (mas a decisão não vai durar, a menos que seja sincera). Desde 2014, eu vivo de acordo com um provérbio chinês que diz “bem-sucedido ou não, um caminho sincero é o único caminho”.

Nota Contextual 3: em 2014, eu renunciei ao trabalho que me levou à Malásia após apenas 2 meses na empresa, e me aventurei a construir comunidades em tempo integral, com a Startup Grind. Acabou dando certo. Esse salto de fé me levou a ser quem eu sou hoje.

Por enquanto estou aqui. Na roça. A as coisas podem mudar, sim. Mas eu escolhi estar aqui.

Foi preciso mais coragem para optar por raízes (família, relacionamento, terra), do que continuar viajando pelo mundo, pertencendo a qualquer lugar. A perspectiva de “escolher errado” ainda me assusta. O medo é de me encontrar, daqui a três anos, presa no interior de Minas, desconectada do mundo e de amigos à sua volta. Só que esse medo é, em si, uma ilusão. O medo de que as coisas dêem errado é uma forma de auto-boicote, para evitar escolher algo que prezamos, mas tememos perder. Tememos perder tempo, liberdade, amor e principalmente a nós mesmos nesse processo. Sendo que, na realidade, seja por medo ou por amor, não podemos controlar nada. E isso é ótimo. Essa falta de controle em si é a raiz da serendipidade, assim como a lama é para os lótus.

Tempos desafiadores podem inspirar escolhas honestas. Como o provérbio chinês diz: “… uma caminho sincero é o único caminho”. O resto, são experiências a que cada escolha leva, e é disso que se trata a vida. Daqui a três anos, eu posso estar aqui, tendo construído uma comunidade rural conectada ao mundo. Ou talvez eu me encontre em Bali ou em Nova York fazendo algum tipo de trabalho que eu sequer esperava.

Tudo pode acontecer e não sabemos de nada.

O que sei com certeza é: se eu tivesse que escolher um lugar para estar, com uma pessoa específica, neste momento, seria aqui. Hoje.

E Depois?

Pra começar: não tenho idéia. Ainda não é o fim do mundo, mas, como disse a R.E.M, “é o fim do mundo tal como o conhecemos”. Tenho sorte de estar bem, assim como meus amigos mais próximos — e gostaria que seja assim para a maior quantidade possível de pessoas. Porque quanto mais as pessoas ao nosso redor estão bem, mais fácil para que todos também fiquem bem rápido. Eu gostaria de que essa fosse a lógica geral no Brasil.

Mas os efeitos dessa crise em nossa economia ainda não foram vistos. Os casos no Brasil estão em alta. Há uma segunda onda eminente na China, que esperamos que não nos acerte. Especialistas afirmam que a economia brasileira deve se recuperar em 2033. Em tempos de instabilidade, o medo nos leva a nos apegar ao que nos dá uma sensação de certeza. No entanto, há poucas certezas que permanecem em tempos de crise.

A Argentina tem um dos povos mais empreendedores que já conheci. Enquanto morava lá, aprendi que isso se deve a muitas crises financeiras pelas quais eles passaram, o que lhes ensinou que o mundo tal como o conhecemos — incluindo bancos, companhias de seguros e outras instituições tecnicamente seguras — é pura ficção. Eles estão além da Matrix. Eu gostaria de trazer essa percepção argentina para todos.

Devemos deixar de lado a idéia do mundo tal como o conhecíamos. Há muito o que aprender e reinventar. Mãos e cérebros são necessários para redefinir nossas economias, e eu quero ser uma parte deste processo. Fiquei no Brasil para estar disponível e contribuir, de alguma forma.

Por enquanto, estou recriando o estilo de vida que desejo, com quem quero estar. Trabalhar de um lugar bonito, construindo comunidades conectadas ao mundo todo, a partir daqui.

O que vem depois? Veremos.

Se você se identifica, vamos tomar um café (online) e conversar da vida. De onde você estiver.

Com amor,

Laís

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Laís de Oliveira

Entrepreneur, Community Builder, Writer | Author of Hacking Communities (2020) | Adventurous learner: I write about life as a constant beginner in anything.